Publicado em: 23/11/2022

A indústria cárnea está sempre em busca de matérias-primas funcionais, com bastante disponibilidade e com custos competitivos. Dentre essas matérias-primas que contam com um nicho já consolidado em muitas empresas, está a pele ou couro suíno.

 

A pele suína constitui 4% em relação ao peso da carcaça mais a cabeça, gordura em volta dos rins, gordura visceral e patas. E a espessura da pele é determinada pela idade, espécie, sexo e região do corpo do animal, sendo mais grossa no dorso e nas partes exteriores dos membros, tornando-se mais fina na barriga e nas superfícies de curvatura/dobras. É composta de três camadas principais: a epiderme superficial pigmentada, o tecido conjuntivo subjacente e a derme, ou camada profunda. A principal proteína da pele suína é o colágeno e, consequentemente, seu comportamento está muito ligado às características bioquímicas desta proteína. Isso será determinante no destino que será dado ao couro na fabricação dos tipos de embutidos nos quais sua adição é oportuna.


O couro suíno tem um importante teor de proteínas, com mais de 39% em relação à sua composição total. Especificamente, no caso de conter pouca gordura e tendo havido uma separação ideal da pele da gordura, essa proteína é muito funcional para reter água. E, em quantidades adequadas, proporciona palatabilidade ao embutido. Uma de suas características é que gelifica sob temperaturas com as quais os embutidos são cozidos, acima de 68°C. Mas seu gel é destruído a temperaturas acima de 80°C. Dessa forma, a pele suína não deve ser adicionada em embutidos que serão fritos depois. Os outros componentes da composição do couro suíno são gordura, a 13%, e água, a 50%. Com a classificação dessa matéria-prima e sua inclusão em uma formulação de embutidos, podemos calcular a contribuição nutritiva no produto final.

 


É importante ressaltar que a funcionalidade da pele suína em embutidos é tão importante, que existem empresas que se dedicam à realização do processo de transformação da pele em pó, o qual contém 98% de proteínas. E o gel feito da pele é muito forte e rígido, tendo também capacidade de emulsão. Ele pode chegar a reter 1-5-5, quer dizer, com 1 kg de couro suíno em pó pode-se reter 5 kg de água e 5 kg de gordura de uma forma consistente. Também pode-se gerar uma força de gel de mais de 900 g/cm². A força de gel da pele suína em pó é uma solução em água a 8%, que gera um gel forte, com mais de 1.000 g/cm². As temperaturas de cocção utilizadas para essas amostras de análise de matéria-prima são de 70°C a 76°C, de 15 a 20 minutos. Em relação aos efeitos almejados com a adição da pele suína, devemos levar em consideração que o excesso de couro suíno em um embutido pode causar defeitos de migração do colágeno para a região exterior do embutido em forma de gel de couro visível. Esse tipo de caracterização ajuda muito o profissional dedicado a pesquisa e desenvolvimento, já que lhe permite realizar as análises para o cálculo das condições e concentrações que devem ser aplicadas em uma formulação de um embutido na linha comum de produção ou na linha de um novo produto.


Para uma inclusão adequada da pele suína, deve-se elaborar uma pré-emulsão de pele na qual os principais ingredientes são a pele suína, a água e a proteína de soja, seja esta concentrada ou isolada. E, como ingredientes secundários, pode-se ou não acrescentar sal, fosfatos e sal de cura.


O sal comum, os fosfatos e o sal de cura também são adicionados. Esses ingredientes também são homogeneizados. Eles têm o papel de estabilizadores e conservantes (no caso do sal comum). Quanto ao sal de cura, este é necessário para o armazenamento da pele suína, de 3 a 4 dias, a temperaturas de 2°C a 4°C. A quantidade de sal que deve ser adicionada é de 4% [N.e.: o autor usa como parâmetros as legislações de alguns países da América Latina aos quais presta consultoria; portanto, a legislação brasileira deve sempre ser consultada, tanto neste trecho como nos demais expostos no presente artigo]. O sal de cura é adicionado com base na concentração de nitritos, devendo ser calculado como tendo 150 partes por milhão, com base na quantidade total dos ingredientes. O fosfato de sódio é adicionado a 0,5%, e sua função é a de facilitar o processo de extração da proteína do couro, a qual é solúvel em sal e em fosfatos. Isso produzirá uma emulsão mais fina, mais forte e mais estável. As quantidades de sal comum, de sal de cura e de fosfatos devem ser subtraídas de cada um dos produtos em relação à fórmula total, para, desta maneira, garantir os teores adequados finais na fórmula.


A emulsão de couro suíno necessita destes ingredientes, nestas proporções:

• 1 kg de proteína concentrada de soja ou proteína isolada de soja;

• 15 kg de água/gelo (5 partes de gelo mais 10 partes de água);

• 15 kg de pele suína congelada ou resfriada. Se estiver congelada, deve passar, antes, pelo equipamento triturador para evitar danos às lâminas do cutter.


Para a produção da emulsão da pele suína fresca, deve-se levar em conta os equipamentos com os quais a empresa processadora já conta. E, ao mesmo tempo, é preciso que a planta processadora tenha à disposição equipamentos robustos, como cutter com alta velocidade, com lâminas que efetuem um trabalho eficiente de corte, para realizar a emulsão da pele e, desta forma, evitar o aparecimento de pedaços perceptíveis de pele no paladar. Tenha em mente que uma partícula de couro muito pequena se transforma em um defeito muito perceptível e sensível, que deve ser evitado ao máximo.


Outro equipamento que é utilizado na pele suína é o emulsificador, ou 'mix master'. Assim que a emulsão da pele for feita no cutter, depois ela é refinada no emulsificador, que faz o acabamento da emulsificação da pele suína e reduz de uma vez por todas qualquer pedaço minúsculo de pele que não foi completamente cortado no cutter.

Esse procedimento inclui passar o couro congelado pelo triturador. Mas isso deve ser feito somente se o couro estiver congelado. Depois disso, o couro deve ser trabalhado no cutter desta forma:

• Adiciona-se a pele no cutter e liga-se a máquina, programando-a para a velocidade média;

• Depois, adiciona-se o gelo e, posteriormente, acrescenta-se o sal, o fosfato e o sal de cura;

• Então, adiciona-se a proteína e adiciona-se o restante da água, programando-se a máquina para operar a uma alta velocidade, até que a massa alcance uma consistência fina, homogênea e boa;

• A formação de bolhas é um sinal, na massa, de que já está na hora de desligar o cutter, retirando-se a massa dessa máquina;

• Posteriormente, a massa poderá ou não ser passada em um emulsificador mix master. Isso vai depender da eficiência do cutter, de sua potência de giro e quão ajustadas estão as lâminas ao bowl (tigela/recipiente).

 

Temperatura

É necessário manter baixas as temperaturas no processo, embora a pele já esteja fria ou congelada. Para isso, deve-se levar em consideração os procedimentos do cutter e da passagem da massa no equipamento emulsificador, nos quais há uma fricção muito elevada e, consequentemente, um aumento de calor. Para resolver esse problema de aquecimento, deve-se usar água e gelo em proporções de acordo com o que foi mencionado anteriormente neste artigo, garantindo que a temperatura não suba mais do que 12°C, evitando-se, assim, a desnaturação da proteína e, além disto, auxiliando a proteína da pele suína a não reter a água da emulsão, muito menos reter a água e gordura adicional da fórmula, sem que a fórmula seja afetada diretamente.

 

Tempo

É importantíssimo definir um tempo de corte no cutter, para, assim, garantir que a emulsão ocorra na íntegra, ficando estável antes de ser passada pelo emulsificador, no qual são realizados ajustes de refino e emulsificação da massa. Um tempo adequado de corte no cutter varia de 10 a 12 minutos, mas deve-se sempre observar a qualidade e aparência da emulsão.

 

Emulsão

A emulsão de pele feita a frio será mais funcional do que uma emulsão feita a quente. O produto desta última dificilmente será funcional a ponto de reter gordura e água que são adicionadas na fórmula. Além disso, é preciso ter em mente que a água é um ingrediente que proporciona uma retenção significativa de proteínas, visto que a retenção deste líquido diminui os custos com ingredientes na fórmula.

Se o processador de carnes não puder contar com um cutter de alta velocidade e não conseguir emulsificar o couro cru a 100%, então uma alternativa que ele tem é cozinhar o couro em água da seguinte forma: 

• Na emulsão cuja preparação requer calor, coloca-se o couro em água a uma temperatura de até 100°C, em uma quantidade que cubra totalmente o couro;

• A quantidade de água que faltar para completar a formulação de água da emulsão é adicionada posteriormente no cutter;

• Também se adicionam a proteína e a água, para que ajudem a emulsionar o couro.

A vantagem desse procedimento é que fica mais fácil de reduzir completamente o couro e, desta forma, evitar o defeito do aparecimento de pedaços perceptíveis de couro. A desvantagem é que o colágeno do couro já não será funcional para reter a água. Sua função será limitada unicamente a um preenchimento de baixo custo e de contribuições notáveis ao sabor.

Assim que a pré-emulsão de pele suína estiver elaborada, realiza-se sua adição na fórmula do embutido, que pode ser de 5% a 10%. Pode-se também substituir parcialmente a carne mecanicamente desossada, bem como a carne. Cada uma dessas substituições deverá ser feita com base na funcionalidade da matéria-prima a ser substituída. No processo de fabricação do embutido, a emulsão de pele suína deve ser acrescentada depois que foram adicionadas as proteínas cárneas e as proteínas vegetais no bowl ou na misturadora. Assim, haverá uma sinergia melhor na emulsão completa do embutido.

 

Conclusão

Quando lançamos mão da classificação e das especificidades dessa matéria-prima [o couro suíno], seja quando a usamos de forma tradicional ou quando começamos a usá-la para um propósito novo, bem como quando levamos em consideração as sugestões para obter melhores resultados, teremos um polo de desenvolvimento que vai colaborar com a melhoria da qualidade, diminuindo os custos de produção e tornando o produto cárneo mais rentável e competitivo.

  

Créditos:  Carnetec